Comédia dramática 'Pillion' explora práticas de BDSM em sensível romance LGBTQ+
- Onfire Pop
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"Pillion", o aguardado romance LGBTQ+ que estreou no Festival de Cannes 2025, é uma exploração sensível e ousada sobre identidade, desejo e autodescoberta.

Dirigido pelo britânico Harry Lighton em sua estreia no cinema, o longa conquistou aprovação unânime da crítica e consagrou-se como um dos filmes mais marcantes do circuito independente do ano.
Pillion: uma história de transformação e pertencimento
Colin (Harry Melling) é um homem introvertido que vive com os pais e trabalha aplicando multas de estacionamento. Sua vida pacata é pontuada apenas por sua participação em um quarteto de barbeiros.
Tudo muda quando, durante uma apresentação de Natal em um pub local, ele cruza olhares com Ray (Alexander Skarsgård), o carismático líder de uma gangue de motociclistas gays.
Ray, descrito como enigmaticamente belo e vestido em couro, tira Colin de sua existência suburbana monótona em Bromley e o introduz em um relacionamento BDSM de dominação e submissão 24/7.
À medida que Colin mergulha mais profundamente no mundo de Ray e em sua comunidade de motociclistas queer, ele começa a questionar se essa vida de submissão total é realmente o que ele deseja.
O título do filme refere-se ao assento traseiro de uma motocicleta — uma metáfora perfeita para a dinâmica de poder entre os protagonistas.
Trajetória triunfante nos festivais
A estreia mundial de "Pillion" aconteceu na seção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2025, em 18 de maio, onde o filme recebeu uma ovação de pé de sete minutos.
A recepção crítica foi extraordinária: Lighton conquistou o prêmio de Melhor Roteiro da seção, além de indicações para a Caméra d'Or e a Palma Queer. O filme também levou o Palm Dog por seu "Mutt Moment" com cães que roubam a cena.
No agregador de críticas Rotten Tomatoes, "Pillion" mantém a rara marca de 100% de aprovação de 55 críticos, enquanto no Metacritic alcançou 85 pontos, indicando "aclamação universal".
No fim de semana passado, o filme dominou o British Independent Film Awards (BIFA) 2025 com quatro prêmios: Melhor Filme Britânico Independente, Melhor Estreia no Roteiro para Lighton, Melhor Figurino e Melhor Maquiagem e Cabelo.
Um olhar humanizado sobre BDSM
O que diferencia "Pillion" de outras representações de relacionamentos kinky no cinema é sua abordagem compassiva e não sensacionalista.
Peter Debruge, da Variety, descreveu o filme como um drama art-house que equilibra sutileza e explicitação ao apresentar o relacionamento não convencional entre Colin e Ray, temperado com um senso de humor perspicaz.
Richard Lawson, da Vanity Fair, elogiou a confiança da direção de Lighton, afirmando que o filme dá poucas indicações de que se trata de uma estreia.
O longa é elegantemente encenado e belamente estilizado, deslizando pela aventura dos protagonistas com atenção aos detalhes e texturas.
Críticos destacaram que "Pillion" não usa BDSM como valor de choque, mas como uma forma de explorar o desenvolvimento da verdadeira identidade e a construção de comunidade.
O filme humaniza a figura do submisso, adicionando complexidade emocional a um personagem que anseia por mais do que apenas sexo — ele busca conexão genuína em meio à sensação de estar perdido.
Cédric Succivalli, da International Cinephile Society, descreveu "Pillion" como uma introdução excepcional a Lighton como cineasta, elogiando a mistura de humor negro, elementos de thriller psicológico e atuações fortes.
Pavel Snapkou, do Showbiz by PS, chamou o filme de um estudo delicado e emocionalmente inteligente sobre identidade, desejo e autodescoberta, que equilibra valor de choque com realismo psicológico.
Adaptação sensível e mudanças criativas
O roteiro de Lighton foi livremente adaptado da novela "Box Hill" (2020), de Adam Mars-Jones. Durante o desenvolvimento, Lighton experimentou diversas abordagens — incluindo transpor a ação para um navio de cruzeiro — antes de se estabelecer mais próximo da fonte original.
Porém, ele fez mudanças significativas: abandonou a ambientação nos anos 1970/80 da obra original, comprimiu a narrativa em um único ano e aproximou as idades dos dois protagonistas.
Lighton revelou que alguns cortes foram feitos após a estreia em Cannes para garantir o lançamento nos Estados Unidos. Skarsgård brincou sobre a existência de uma versão mais explícita, chamando a versão exibida de "amigável para toda a família" e mencionando um "corte Alexander Skarsgård" mais atrevido.
Processo de produção autêntico
Durante a pesquisa, Lighton passou um fim de semana com membros reais do Gay Bikers Motorcycle Club (GBMCC) do Reino Unido, que serviram como consultores e aparecem no filme interpretando membros da gangue de Ray.
O diretor também teve suas próprias experiências como "pillion" (passageiro) para compreender melhor a dinâmica.
"Eu queria escalar pessoas que não sentissem que estavam se fantasiando para esses papéis", explicou Lighton em entrevista.
A produção contou com a coordenadora de intimidade Robbie Taylor-Hunt durante as filmagens, e conversas sobre limites foram estabelecidas com os atores desde a fase de casting.
A fotografia ficou a cargo de Nick Morris, com montagem de Gareth C. Scales e trilha sonora composta por Oliver Coates. A produção foi uma coprodução entre Reino Unido e Irlanda pela Element Pictures, com financiamento da BBC Film e do British Film Institute.
Elenco dedicado e química autêntica
Harry Melling, conhecido por seu papel como Dudley Dursley na saga "Harry Potter" e mais recentemente visto em "The Queen's Gambit" e "The Pale Blue Eye", traz vulnerabilidade e carisma a Colin.
Lighton havia admirado o trabalho de Melling em filmes como "A Balada de Buster Scruggs" e "O Diabo de Cada Dia", impressionado por sua combinação única de magnetismo com uma energia menos típica de protagonista masculino tradicional.
Alexander Skarsgård, veterano de produções como "The Northman", "True Blood" e "Succession", entrega uma performance enigmática e nuanceada como Ray.
O ator revelou em entrevistas que construiu um passado detalhado para seu personagem, embora tenha precisado revisar suas teorias várias vezes durante as filmagens conforme Lighton surpreendia com novas direções nas cenas.
A dupla foi amplamente elogiada pela química em tela. Skarsgård comentou que queria que o público torcesse para que os dois ficassem juntos, apesar das complexidades do relacionamento.
O próprio pai do ator, Stellan Skarsgård, demonstrou aprovação ao beijar Harry Melling na boca após a exibição em Cannes — sua forma, segundo Alexander, de dizer que achava o filme muito bom.
Lesley Sharp e Douglas Hodge interpretam os pais compreensivos de Colin, que aceitam a sexualidade do filho sem reservas.
Recepção calorosa da comunidade LGBTQ+
Durante as estreias do filme em diferentes festivais, diversos clubes de leather gays foram convidados para assistir, incluindo o SLM Stockholm e o Leathermen of Ireland.
A recepção foi entusiasmada, consolidando "Pillion" como uma obra que ressoa autenticamente com as comunidades que representa.
O filme passou pelo Queer Lisboa em setembro de 2025, onde foi recebido com igual entusiasmo pelo público português.
Alexander Skarsgård destacou a importância de que um filme como "Pillion" possa ser feito em 2025, reconhecendo seu valor em uma era de regressão na representação de sexo e kink no cinema.
Lançamento e distribuição
"Pillion" estreou nos cinemas do Reino Unido em 28 de novembro de 2025, distribuído por Picturehouse e Warner Bros. Pictures UK.
Nos Estados Unidos, a A24 — estúdio por trás de sucessos como "Everything Everywhere All At Once", "Moonlight" e "Midsommar" — adquiriu os direitos de distribuição em outubro de 2024 e lançará o filme em 6 de fevereiro de 2026.
No Brasil, a Diamond Films confirmou o lançamento para 12 de fevereiro de 2026. Em Portugal, apesar do sucesso no Queer Lisboa, a data de estreia comercial ainda não foi anunciada.
Um cineasta promissor
Harry Lighton, nascido em 20 de outubro de 1992 em Portsmouth, Hampshire, começou a fazer curtas-metragens durante seus estudos de literatura inglesa na Universidade de Oxford. Seu curta mais notável, "Wren Boys" (2017), recebeu indicação ao BAFTA de Melhor Curta-Metragem e ao British Independent Film Award.
O diretor também trabalhou como assistente de direção em "Living", de Oliver Hermanus, dirigiu a segunda unidade da série "Mary & George" e escreveu o roteiro para uma próxima cinebiografia do estilista Alexander McQueen, também dirigida por Hermanus.
Em setembro de 2025, Lighton assinou com a United Talent Agency (UTA) em todas as áreas, consolidando sua posição como um dos novos talentos mais promissores do cinema britânico.
Um filme para fazer sentir
Antes da exibição em Cannes, Lighton disse à multidão no Palais que queria que o filme fizesse o público "rir, pensar, sentir e ficar excitado". Pela recepção crítica e do público, parece ter conseguido exatamente isso.
"Pillion" é, fundamentalmente, um conto cauteloso agridoce sobre os aspectos confusos de um relacionamento BDSM — o desajeitado, o desconfortável — mas também sobre o impacto que o kink pode ter em nós como indivíduos e seu potencial para criar comunidade.
O roteiro de Lighton é simultaneamente erótico e compassivo, posicionando o filme ao lado de outras obras queer importantes que exploram sexualidade de forma madura.
Como observou um crítico, ao final do filme, experimentamos o anseio e a frustração de Colin, mas também saímos com uma melhor compreensão sobre o estabelecimento de limites — tanto nos relacionamentos quanto na busca por nossa verdadeira identidade.
Em uma época de pushback contra representações de sexo no cinema, "Pillion" surge como um lembrete necessário de que sexo e kink podem ser belos, recompensadores e dignos de atenção cinematográfica séria.
É um filme que não tem medo de mostrar vulnerabilidade, mas também celebra a possibilidade de transformação através da conexão humana — por mais não convencional que essa conexão possa ser.
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